28.11.08

Para fazer um talismã


Basta o teu coração
feito à viva imagem de teu demônio ou de teu deus.
Um coração apenas, como um crisol com brasas para a
idolatria.
Nada mais do que um indefeso coração enamorado.
Deixe-o na intempérie,
onde a erva entoa suas endechas de ama louca
e não possa dormir,
onde o vento e a chuva deixem cair seu látego em um golpe
de azul calafrio
sem convertê-lo em mármore e sem parti-lo em dois,
onde a escuridão abra suas tocas a todas as matilhas
e não consiga esquecer.
Jogue-o depois do alto de seu amor ao fervedouro da
bruma.
Ponha-o logo a secar no surdo regaço da pedra,
e escave, escave-o com uma agulha fria até arrancar o
último grão de esperança.
Deixe que o sufoquem as febres e a urtiga,
que o sacuda o trote ritual da alimária,
que o envolva a injúria feita com os retalhos de suas
antigas glórias.
Ou quando um dia um ano o aprisione com as garras de um século,
antes que seja tarde,
antes que se converta em múmia deslumbrante,
abra de par em par e uma por todas as suas feridas:
que as exiba ao sol da piedade, tal qual o mendigo,
que expõe seu delírio no deserto,
até que somente o eco de um nome cresça nele com a fúria
da fome:
uma incessante colherada contra o prato vazio.

Se sobrevive ainda,
se chegou até aqui feito à viva imagem de teu
demônio ou de teu deus;
eis aí um talismã mais inflexível que a lei,
mais forte que as armas e o mar do inimigo.
Guarde-o na vigília do teu peito como um sentinela.
Mas vele-o.
Pode crescer em ti como a mordedura da lepra;
pode ser teu verdugo.
O monstro inocente, o insaciável comensal da tua morte.






Olga Orozco

3 comentários:

Fred Matos disse...

Belo poema.
Beijos

Unknown disse...

Oi, Zana, tudo bem?

Obrigado por seguir o Jardim e o Mundo. Sumi da Net porque estou sem conexão em casa, mas, em breve, estarei de volta.

Fiques bem.

Anônimo disse...

Seus poemas são apaixonantes!
Um bjo enorme tenha um lindo fim de semana>